Com o fenômeno da “migração” da Liturgia romana para as igrejas franco-germânicas, a nobre simplicidade de uma Liturgia romana austera e prática se mistura com a loquacidade sentimental, comovente e dramática da Liturgia galicana que reflete bem a mentalidade religiosa dos povos franco-germânicos (caracterizada por um pavor diante da divindade, forte sentimento de culpa, medo do juízo, um grande individualismo). Surge uma Liturgia híbrida: romano-franco-germânica.

Esta “nova” Liturgia, tanto em sua expressão externa quanto em sua compreensão teológica e vivência espiritual, vem carregada de dramatização nas ações, forte individualismo, clericalismo e devocionalismo.
Em tempo de crise espiritual e litúrgica na Igreja de Roma a partir do século IX, implanta-se na cidade eterna, por influência dos piedosos imperadores Otões, a Liturgia romano-franco-germânica, cuja história nos é conhecida. Assim foi “salva” a Liturgia da diocese de Roma em tempo de crise.
Superada a decadência sofrida por Roma no século X, o papa Gregório VII assume as rédeas da Liturgia romana, mas sem grandes sucessos. Por causa da supervalorização do sacerdócio ministerial (ordenado), acaba reforçando a monopolização clerical das ações litúrgicas. Não consegue, portanto, recuperar o caráter comunitário e participativo da Liturgia romana antiga. Além do mais, a centralização romana que se instaura em torno da autoridade papal faz com que todas as igrejas do Ocidente sejam obrigadas a adotar o tipo de Liturgia que em Roma é celebrada.
Outro papa que se destaca na reforma litúrgica romana é Inocêncio III. Dedicou-se, sobretudo, à reforma dos livros litúrgicos, adaptando-os para o uso da cúria romana, onde a maioria dos padres rezava a missa privadamente. Surge daí o Missal da cúria romana, um livro que, naturalmente, não prevê a presença de uma assembleia litúrgica.
Este missal foi amplamente difundido pela Europa afora através dos franciscanos. O mesmo se deu com o livro de oração eclesial (Ofício Divino). Consolida-se, assim, para a Igreja do Ocidente a estrutura básica e o espírito da Liturgia híbrida romano-franco-germânica.
Transformada a Liturgia num fato clerical (não mais como celebração da comunidade), o povo (sem participação ativa) mergulha no emaranhado das inúmeras devoções particulares, dentre as quais se destaca a adoração da hóstia na missa. O costume ‘devocional’ das missas privadas leva à multiplicação dos padres “altairistas”.
As missas são dramatizadas com a introdução de muitos gestos e movimentos rituais do padre no altar. Também os sacramentos passam por mudanças significativas e são vistos mais como “remédio”. A própria teologia agora virou especulação racional sobre Deus e seus mistérios em categorias aristotélicas. Numa palavra, a vida espiritual do povo cristão caminha à margem e fora do âmbito da Liturgia como celebração do mistério pascal.
No “outono da Idade Média” o individualismo religioso se exacerba. A propaganda dos “frutos” da missa transformam a religião num grande jogo de negociata com Deus. Adotam-se as representações sacras como meio de ‘suprir‘ uma Liturgia totalmente fora do alcance popular. A espiritualidade se carrega de extremo intimismo. A piedade popular atinge o auge de autonomia em relação à piedade litúrgica.
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